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O poder do belo

(R. C. Migliorini)

papua

Certa vez, um famoso violinista tocou incógnito durante quarenta e cinco minutos no metrô de Washington. Nesse tempo, quase ninguém parou para ouvi-lo. Somente as crianças deram sinais de que o fariam caso não estivessem acompanhadas por pais apressados.

Nada me parece mais natural, já que na maioria das sociedades humanas, ao contrário do que ocorre com os adultos, as crianças dispõem de tempo, pois nelas os adultos têm que se dedicar não só à própria subsistência como também à manutenção e cuidado com as crianças.

Ilustro meu ponto de vista com um filme a que assisti nesse final de semana. Ele era sobre a vida em uma tribo de Papua – Nova Guiné. Nele mencionaram muitas pessoas, entre elas um garoto e seu pai.

Ao garoto cabia a tarefa de cuidar dos poucos porcos da família. Como essa tarefa não exigia tanto o seu tempo, ele podia brincar com as crianças que faziam o mesmo, caçar borboletas, se entreter com vários insetos, cultivar uma mini-horta e até tirar uma soneca durante o trabalho.

Já seu pai, caminhava diariamente para uma torre de observação de onde vigiava a aproximação de inimigos. Protegia, assim, o território da aldeia, e durante o tempo lá encarapitado, fazia outras atividades como tecer adereços. Essas tarefas, porém, não o distraiam muito nem exigiam que ele saísse de seu posto. A vigilância constante era necessária porque volta e meia os homens daquele povoado guerreavam com os vizinhos.

Embora, em algumas raras ocasiões as batalhas travadas ceifassem a vida de alguém, por puro gosto eles as repetiam em intervalos regulares e nem sequer cogitavam fazer um tratado de paz. Contudo, todas terminavam antes do anoitecer, porque mesmo o guerreiro mais feroz temia os fantasmas que vagavam durante as horas de escuridão. Todavia, é interessante notar que estivessem em guerra ou não, o pai do menino nunca deixava de olhar para as belezas ao redor, e sua preferência era ver a revoada das andorinhas se recolhendo para dormir.

Talvez a atribulação máxima de sua vida de adulto fosse guerrear, e olhar para essas coisas fosse o seu modo de relaxar. Em nosso dia-a-dia, podemos fazer o mesmo, de modo que belas vistas e músicas nos relaxam mesmo que não tenhamos tempo para nos deter diante delas.

Assim, penso que as pessoas sempre são capazes de perceber a beleza em nosso quotidiano corrido, já que até mesmo em meio às guerras o fazem.