(Paulo Sartoran)
Uma das minhas glórias é caminhar sob o sol da manhãzinha, que é leve e comovente como a rolinha que levanta vôo com a minha passagem. Até a última batida do meu coração, diz o refrão que os fones trazem aos meus ouvidos; e penso na brevidade da vida, em seus pássaros que fogem assustados e suas folhagens que se espalham quando os carros passam ágeis. Advém-me a beleza da letra e a delicadeza com que ela me toca; e me comovem os primeiros acordes, instrumentais como a engenhosa máquina divina, mágicos como a sombra da copa que me refresca quando eu passo.
Até a última batida do meu coração levarei minhas palavras como paixão, que se rebentam enquanto eu mal empunho canetas ou papeis. Preciso que minha agenda me conceda um instante e que todas as miríades de urgências abram caminho para algo tão mais necessário. E num repente me vem o quanto atrasado eu estou com os fãs da psicanálise e a minha promessa de ser regular.
Ocorre-me o quanto somos inventivos, construindo castelos barrocos de cada compromisso, exigindo de nós mesmos rigores e perfeições, assim como exijo de mim minha melhor expressão de encanto, mesmo que sejam literárias.
Ocorre-me como somos exagerados, presumindo tamanho gasto de energia para gestos que poderiam se suceder tão singelamente como agora, em que as ideias me fogem tão céleres das pontas dos dedos como a rolinha que fugiu de mim sem conhecer meu amor pela natureza. Ocorre-me que deixamos tantas boas ideias por excesso de suposições e que a vida está mesmo nas coisas simples, nas palavras que brotam primeiro, sem edições, nem adornos ou penduricalhos, que mais atrapalham do que explicam.
Penso como são mágicas as idéias, parindo às pressas a expressão de um momento, olhos vermelhos ou não. E finjo para a senhora que vem na mesma calçada que não estou comovido; noto que ela não me nota, talvez com tijolos e cimento e pás de pedreira, subindo os mesmos castelos que subimos quando apressados, controladores e ansiosos. Lá na frente nos damos conta de que os nossos tijolos nos aprisionaram do mundo lá fora, onde estão as luzes que dão vida à nossa vida.
Ocorre-me que minha irregularidade seja também oportuna, como oportunas são as músicas aclamarem suas mensagens certas nas horas certas, e estou certo de que encontrarão essas minhas certas palavras apenas as certas pessoas. E prometo, no melhor exemplo de holismo, manter-me uma lembrança freqüente das belezas da vida, sob os raios leves do sol da manhãzinha, até a última batida do meu coração.